Música como ciência
04 de novembro de 2011
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Além de astrônomo, físico, matemático e filósofo, Galileu Galilei (1564-1642) também tinha formação em música, sobre a qual chegou a escrever em um de seus tratados teóricos. Porém, a concepção musical do cientista italiano era muito diferente da de seu pai, o músico prático e teórico Vincenzo Galilei (1533-1591).
Ao contrário do que Galileu e alguns
teóricos musicais defendiam no século 16, Vincenzo demonstrou que a
música não poderia ser embasada nas ideias pitagóricas abstratas
vigentes na época de razões de números inteiros, mas sim no
fenômeno físico sonoro.
Essa contribuição do pai de Galileu para a
história da música e da ciência é relatada no livro Vincenzo
Galilei contra o número sonoro, publicado em setembro com apoio da
FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.
Resultado do projeto de doutorado em
história da ciência da pesquisadora Carla Bromberg, realizado na
Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo com Bolsa da
FAPESP, o livro aborda um período anterior à Revolução Científica
sobre o qual, segundo a autora, há poucos estudos na história da
ciência.
“O século 16 costuma ser anexado ao 17 na
historiografia da ciência e suas características acabam sendo
negligenciadas”, disse Bromberg à Agência FAPESP. “Esse período
tem uma importância muito grande para a história da ciência porque
nele foram escritos tratados teóricos sobre áreas chamadas de
subalternas, como a música e a ótica, em que os autores demonstram
um descontentamento com relação à natureza de suas ciências e
propuseram discussões que levaram à reclassificação delas.”
Em alguns desses tratados teóricos,
Vincenzo Galilei questiona os fundamentos matemáticos da música. Na
época, a área não era classificada sobre uma base sonora, medida
por meio de unidades de frequência, por exemplo, mas sobre uma base
matemática, sendo entendida como um “número sonoro”.
“Embora existisse na época tanto a música
teórica como a prática, a teórica seguia uma tradição
platônico-pitagórica, que era defendida por Galileu e alguns
teóricos musicais, cujo fundamento era aritmético”, explicou
Bromberg.
Segundo ela, por meio de uma série de
demonstrações, cálculos matemáticos e argumentos filosóficos,
Vincenzo provou a ineficácia da base matemática para a música.
Para isso, o músico, que tocava alaúde,
realizou diversos estudos sobre o comportamento dos materiais e os
instrumentos musicais da época. E, utilizando a filosofia de
Aristóteles (384-322 a.C.) conseguiu estabelecer uma nova
fundamentação para a música que, na época, era considerada como
ciência.
“Esse fato é bastante interessante porque
a história da ciência do século 17 diz que foi quando se rejeitou
o método aristotélico é que se conseguiu desenvolver uma nova
concepção moderna de ciência”, disse Bromberg.
“No caso de Vincenzo Galileu, no século
16, foi justamente se valendo da filosofia de Aristóteles que ele
conseguiu descobrir conceitos e desenvolver uma teoria para tirar a
música do pedestal da matemática e conduzi-la para o campo da
acústica”, disse.
Contribuições musicais
De acordo com Bromberg, uma das principais características musicais do repertório do século 16 era a polifonia – composições musicais escritas para várias vozes independentes uma das outras, porém com o mesmo grau de importância.
Por meio de diversos tratados, Vincenzo
Galileu começou a unificar esse sistema musical de múltiplas vozes
independentes e a transformá-lo em um sistema mais parecido com o
existente hoje, composto por escalas musicais diatônicas (que
possuem um determinado tom em relação a uma nota musical
principal).
Em função disso, pode-se dizer que o
músico se antecipou à publicação em 1722 de “O cravo bem
temperado”, por Johann Sebastian Bach (1685-1750). Na obra, o
compositor alemão desenvolveu um conjunto de composições para o
instrumento de teclado utilizando a escala diatônica como “tempero”
para calcular intervalos entre notas musicais.
“Por causa dessa prática das escalas
diatônicas, ele conseguiu calcular intervalos musicais, com razões
matemáticas, que não eram adotados pelos teóricos da época dele.
Ele mostra que a música tem na matemática apenas sua
instrumentalização, mas que não pode ter sua definição e seus
conceitos baseados nela”, disse Bromberg.
Não se sabe se Galileu, que provavelmente
também tocava alaúde, aceitou a teoria musical do pai, cujo
trabalho não foi bem recebido em sua época, sendo pela primeira vez
reconhecido pelo filósofo natural Marin Mersenne (1588-1648) no
século 17 e citado na “Primeira história da música italiana do
século 18”, de Giovanni Battista Martini (1706-1784).
“Alguns historiadores da ciência
começaram a tentar relacionar o trabalho musical entre pai e filho
nas décadas de 1960 e 1970. Mas, provavelmente, Galileu não
aproveitou os novos conceitos musicais que Vincenzo elaborou”,
disse Bromberg.
Vincenzo Galilei contra o número sonoro
Autora:
Carla Bromberg
Lançamento: 2011
Mais informações:
livrariadafisica.com.br/detalhe_produto.aspx?id=102157.
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